Depois de “Levanta os Braços como Antenas para o Céu”, de 2005, Clara Andermatt volta a criar para o Grupo Dançando Com a Diferença, trazendo, desta vez, o compositor Jonas Runa.
Em “Dez Mil Seres”, o processo de criação começa fora de estúdio, no explorar conjunto de trilhos rurais da ilha da Madeira, expondo-se, com o grupo, aos elementos naturais, numa procura por novas percepções, detalhes e sentidos nas paisagens do quotidiano.
No conjunto dos sete intérpretes, emanam as personalidades, as limitações, as possibilidades de cada um; Mickaella Dantas, amputada de uma perna, Aléxis Fernandes, com síndrome de Asperger, Bárbara Matos, Rui Costa, Sofia Marote e Joana Caetano, com Síndrome de Down, e Telmo Ferreira, com diagnóstico equívoco de desajustamento socioemocional.
Convoca-se o surrealismo de autores como H. R. Giger e Jorge Luís Borges, o erotismo inquietante de Balthus, os arlequins de Picasso, em busca dos mundos interiores dos intérpretes. Nos movimentos e interações entre os corpos, a demanda intensa por uma comunicação comum.
O estereograma, que inaugura o espetáculo, introduz o detalhe oculto sob uma aparente repetição.
“Olho a primeira vez e vejo um padrão plano, repetitivo, limitado. Olho mais fundo e vejo com outra nitidez, acedo a um lugar misterioso onde encontro outras formas, um número infinito de variações. Vejo o pormenor, o recorte, a filigrana que emana luz interior. É preciso tempo, espera, espaço, repouso e vontade no querer ver... Agora, já dentro desse outro lugar, descubro seres estranhos que se dedicam a ações, a que só a imaginação consegue dar sentido.”
Clara Andermatt (2012)